O último dia 23 de junho foi marcado por um encontro histórico entre o novo e o velho. Caruaru, interior de Pernambuco e capital do forró, sediou o Maior Baião do Mundo. Um tributo ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga e a Humberto Teixeira e Zé Dantas, parceiros do Rei, com estrelas do cenário musical do Brasil.
Inicialmente, São Paulo foi o primeiro local a apresentar esse show ao público, com dois dias de casa lotada no SESC Pompéia. Sucesso absoluto e garantido!
O baião foi o primeiro movimento cultural de massa, que mistura elementos do rural e do urbano. Luiz Gonzaga fez com que a música nordestina - que até então era apenas folclore, de feiras e cantadores - se tornasse um nível de cultura popular, não industrializada, tal qual João Gilberto fez com a bossa nova. A importância do baião é enorme para a construção histórica e valorização da música brasileira. Posteriormente, o ritmo ainda influenciou o Tropicalismo de Gil e Caetano e o rock’n’roll de Raul Seixas.
Esse tributo, idealizado por Ortinho, surgiu após a exibição do documentário O Homem que Engarrafava Nuvens, dirigido por Lírio Ferreira, que relata a vida de Humberto Teixeira e conseqüentemente a história da trajetória do baião.
O show ocorreu com o melhor astral que se poderia ter, tanto pela banda, convidados e todo o público que prestigiou. Após a meia noite, um show de fogos de artifício tomou conta do céu enluarado e deu início ao novo ciclo do ano. No interior nordestino, os festejos juninos são sagrados e comemorados com todo fervor.
A banda, formada por Luiz Chagas (guitarra), Paulo Lepetit (baixo), Guilherme Kastrup (bateria), Marcelo Monteiro (sopros), Mestre Nico e Elder O Rocha (percussão) e Magoo (sanfona) deram uma classe contemporânea ao tradicional baião, que ainda contou com Vange Milliet e Rita Maria no backing vocal.
Os artistas convidados, de vozes, estilos e gêneros distintos, tiveram um encontro de almas com o baião nessa noite. O repertório escolhido teve sucessos conhecidos por todos e músicas menos populares, completando o brilho do projeto.
O show começou com Asa Branca em instrumental e teve a presença de Zé da Flauta. A expectativa no backstage era muito grande. Após uma longa viagem de Recife à Caruaru por conta do transito, os artistas estavam com uma energia acumulada para entrar no palco. De trás, a visão do mar de gente que estava no pátio do forró, estimado em 150.000 pessoas, era contagiante. Além de idealizador do tributo, Ortinho era a peça chave para o desenvolver do show. Seguro do que estava fazendo – e bem feito, ele também se tornou o “mestre de cerimônia”.
Almério e Fô, novos cantores da cena local de Caruaru, foram os primeiros a subir ao palco. Luiza Possi era só alegria dentro e fora, e cantou com uma leveza enorme Sabiá e Xote das Meninas, levando o público ao delírio. Junio Barreto, também caruaruense, mostrou que A Feira de Caruaru dá gosto de ver e tem de tudo que há no mundo. Elza Soares confirmou que realmente é uma artista completa e que o tempo caminha lado a lado ao crescimento. Com um problema no tornozelo que a impossibilitou de cantar as duas canções em pé, animou o público como ninguém. Vem Morena e Vida de Viajante, se encaixaram direitinho com a voz da Elza. Em um só coro que foi de arrepiar: “Chuva e sol, poeira e carvão / Longe de casa, sigo o roteiro mais uma estação / E a alegria no coração”.
Já Zélia Duncan representou uma das composições mais linda de Gonzagão, Qui Nem Jiló. Paulinho Moska foi o responsável pela música homônima do ritmo, Baião. Moska deu sua versão doce e suave para esse clássico, ficando mais encantador. Mariana Aydar, criada com o forró, ganhou todos os meus créditos ainda fora do palco. Cantora da nova classe artistica brasileira, ela é autêntica e de forte expressão. Com um triângulo na mão, ela cantou lindamente Dança da Moda e Ovo de Codorna.
Arnaldo Antunes apareceu no show de Caruaru de última hora, no fim dos acertos de pré-produção. A princípio, ele só participaria das apresentações em São Paulo por conta de agenda. Mas a presença dele foi fundamental para o conjunto do Maior Baião do Mundo e cantou Xanduxinha com toda presença de palco que ele tem. Depois de todos os convidados, foi a vez de Ortinho entrar no palco e cantar para sua cidade natal Orélia, Chá de Cutuba, País de Caruaru e O Fole Roncou.
Ortinho estava realizado e conseguiu levar ao interior o melhor da atual MPB. Muitos acharam o tributo um pouco audacioso para o local que sempre abriga o forró-eletrizado e mercadológico. Mas posso garantir que foi um encontro rico, que trouxe para os tempos de hoje, uma musica de qualidade e propôs um baião atual, sem desentoar do tradicional. Luiz Gonzaga, desde dos primórdios, foi revolucionário com o baião e o levou do interior do Nordeste brasileiro para o mundo. Nada mais justo continuar com essa atitude e inovar cada vez mais, mas sem sair do real contexto.
Como bons pernambucanos e suas manias de grandiosidade, O Maior Baião do Mundo foi o maior encontro do clássico com o moderno, do agreste com a capital, no Maior São João do Mundo, que é em Caruaru.
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