segunda-feira, 19 de julho de 2010

“Deixe que digam, que pensem, que falem...”

Deixa isso pra lá, música eternizada na voz de Jair Rodrigues, em 1964, pode ser dedicada à Maria Rita, já que ela é uma interprete que dá o que falar de um lado do público, que tem críticas para tudo e todos. Muitos afirmam que ela não tem personalidade, fazendo sua carreira em cima a história da mãe, Elis Regina. Indo em ”confronto” a uma das primeiras entrevistas que a cantora deu no início da carreira, onde afirmava que não queria ser comparada com toda a força musical de Elis.
Mas que nada, deixa isso pra lá (sempre) porque o potencial de Maria Rita vai além do sangue artístico que corre na sua veia. E quem sabe depois de tanta convivência entre Jair e Elis, na época áurea do Fino da Bossa, essa canção num é pra ela mesmo?
Antes de lançar seu primeiro CD, em 2002, Maria Rita foi a vencedora do Prêmio APCA, como Revelação do ano. Bem, tudo começou explosivo demais e assim continuou. Com três discos e três DVDs lançados, todos com números avassaladores de vendas e prêmios, Maria Rita também leva na bagagem uma vasta lista de músicas de grandes compositores brasileiros que com sua interpretação, ganham uma vida e uma força muito maior. Não vou compará-la à Elis Regina, mais sim, a intensidade musical e performática que, por exemplo, Maria Bethânia coloca em sua sonoridade. Fui exagerada? Não, acho que não...
Maria Rita tem uma postura misteriosa e introspectiva no palco. No decorrer do arranjo, ela vai se abrindo e mostrando realmente cada palavra que a música quer passar, de forma voraz e grandiosa. Marcelo Camelo, Lenine, Paulinho Moska, Rodrigo Maranhão, Rita Lee, Milton Nascimento, Gonzaguinha e Arlindo Cruz, são alguns nomes por qual a trajetória da cantora já percorreu. Caminhos certos, que cruzam entre flores, solidão, tempestades, amor, revoltas, vitórias... Encontros e desencontros.

Maria Rita e Marcelo Camelo – Santa Chuva
Que Marcelo Camelo é um dos maiores compositores atuais do Brasil, isto já é confirmado. A nova MPB transita em artistas como ele. Santa Chuva é um exemplo de canção poética, que ganha uma interpretação cinematográfica na voz de Maria Rita. Num duelo de sentimentos e separações, ela consegue transmitir numa das maiores obras primas de Camelo, a intensidade forte e poderosa, de uma tempestade que alaga dentro e fora.
Maria Rita e Paulinho Moska - Muito Pouco
O crescimento musical de Muito Pouco, do disco Segundo até o DVD ao vivo do Samba Meu, foi absurda. Não só os arranjos ficaram mais redondos, como Maria Rita conseguiu uma força inigualável nesse canto paradoxal. Os gestos e timbres alcançados na música se tornam imbatível para todas as demais interpretações que possam vir de Muito Pouco. Digo isso, com todo o respeito do mundo ao Moska, que acaba de lançar seu novo disco intitulado de Muito Pouco também, e que faz uma versão numa levada de tango, mas não consegue passar a real mensagem forte dessa música, tal qual Maria Rita.
Maria Rita e Rita Lee - Só de Você
Rita Lee já fez de Maria Rita “mais macho que muito homem”, nas canções Pagu e Agora Só Falta Você. A rainha do rock brasileiro já passou por várias etapas psicodélicas e no ano de 1982, no disco Flagra, lançou uma canção “meio démodé”, que foi Só de Você. Com uma nova roupagem nos arranjos e com um tom mais jazzístico, Maria Rita dá outra vida à canção. Leve, cool, envolvente e refinada, Só de Você foi a melhor aposta sobre Rita Lee.   
Maria Rita e Arlindo Cruz – Trajetória
Enganam-se os que pensam que Trajetória é uma música nova e teve sua primeira gravação com a Maria Rita. Em 1997, esta música foi faixa título do disco da Elza Soares, numa interpretação de garra para o samba de Arlindo Cruz. Dez anos depois, aquele mesmo samba de Arlindo, foi regravado de forma mais clara, limpa e reflexiva. Ouvir Maria Rita cantando Trajetória soa como um “mantra contemporâneo” para os que estão cansados de amar.

(Esses são pequenos exemplos de algumas interpretações de Maria Rita, que agora me recordo e consigo transcrever)

Com quase três anos em turnê com o último disco, Samba Meu, muitas sensações foram feitas e desfeitas. Outras até, reafirmadas. Mas agora, Maria Rita segue com um novo show, mais intimista e sem perspectiva de gerar disco ou qualquer gravação de DVD. O setlist apresenta canções já conhecidas na voz da cantora e algumas novas que vão dar o que falar.
Dias desses, lendo o blog Notas Musicais, de Mauro Ferreira, encontrei uma resenha maravilhosa sobre esse novo show no Tom Jazz, em São Paulo e me fez refletir mais ainda na potencialidade de Maria Rita, confirmando assim, a capacidade que ela tem de valorizar a música, com detalhes minuciosos e ricos.

Trecho do post “Maria Rita fica solta na intimidade do Tom Jazz

 

“(...)Somente o número de abertura - Conceição dos Coqueiros, pungente música de Lula Queiroga (bem) gravada por Elba Ramalho no álbum Qual o Assunto que Mais lhe Interessa? (2007) - já vale a ida ao show. A música soa quase como uma oração na voz de Rita - mas sem tom solene - e ganha significado ainda maior quando, ao fim, o arranjo a emenda comSantana (Junio Barreto), tema que também toca na questão religiosa de forma poética, sem clichês espiritualistas. Maria Rita - vale lembrar - ia gravar Santana no álbum Segundo (2005), mas desistiu porque o compositor já tinha dado a preferência a Gal Costa, que registrou Santana em seu revigorante CD Hoje (2005).

 

Conceição dos Coqueiros, também se encontra num dos melhores discos da trilogia de Lula Queiroga, Azul Invisível, Vermelho Cruel. Esta canção, de difícil interpretação e que já foi também tema de um documentário, serve como mais uma aposta para Maria Rita como “melhor interpretação” e projeta bons frutos audíveis e visuais pela frente. Santana, de Junio Barreto, também já foi regravada por Lenine, com certeza cai como uma oração, como o próprio Mauro Ferreira falou, no conjunto “abertura de show”.


Acho que ela escolhe a dedo as canções, né? Cada uma com uma essência diferente, compositores diversos, gêneros musicais tradicionalmente brasileiros, que com Maria Rita, ganham uma personalidade única e indescritível.

 

Só me resta agora, ouvir, sentir e interpretar mentalmente cada uma. E Maria Rita, aí vai um recado meu, por Jair Rodrigues:

 

 “Vai, vai, por mim...”


*Foto - crédito: Tripolli

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