segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Uma Noite em 67

Na última sexta-feira (30), estreou nos cinemas de todo o Brasil, o documentário Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, que assim como Palavra (En)Cantada, de Helena Solberg, seria a promessa da volta de bons documentários musicais brasileiros. Tendo como base, além dos fatores históricos, o livro “A Era dos Festivais - Uma Parábola” (Editora 34, 2003) de Zuza Homem de Mello, o enredo do documentário tem vilão, mocinho, bandido e uma trilha sonora impecável. Como uma admiradora assumida da eclosão musical dos anos seiscentistas, fui correndo para assistir e fazer uma viagem no tempo, tendo a certeza de que seria muito feliz presenciando a melhor fase que a MPB já teve.    
Dentro de uma época com repressão totalitária, a música popular brasileira ganhava rumos diferentes daquela “mania de diminutivo” da Bossa Nova, cheia de carinho, barquinho, amorzinho e peixinho. A vontade de mudar as regras na sociedade, era transpassada em forma de canção e a atitude revolucionária por parte dos jovens, movia o país junto com a política e a globalização. Os festivais organizados pelas Tvs Record, Excelsior, Globo e Rio, eram o entretenimento da massa, tal qual a novela é hoje em dia. Durante a década de 60 e 70, esses programas apresentaram novos artistas e consagraram aqueles que já estavam na boca do povo.
Uma noite em 67 é um “confronto de luta livre”, como Solano Ribeiro, produtor musical, declara no documentário. A final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, foi divisora de águas da história musical do país. A platéia frenética e efervescente que estava presente no Teatro Paramount, em São Paulo, era um termômetro que oscilava entre aplausos e vaias, em centésimos de segundos. Em 13 canções apresentadas por jovens artistas que transitavam desde Bossa Nova a Jovem Guarda, até um futuro movimento Tropicalista, ídolos foram descobertos, violões foram quebrados, guitarras foram aceitas e histórias foram transformadas.
Estrelando no auge dos seus 20 a 25 anos: Chico Buarque de Hollanda e MPB4, Caetano Veloso e os Beach Boys, Gilberto Gil e Os Mutantes, Roberto Carlos, Edu Lobo e Marília Medalha, e Sérgio Ricardo. Eternizando: Roda Viva, Alegria, Alegria, Domingo no Parque, Maria, Carnaval e Cinzas, Ponteio e Beto Bom de Bola. Esse era o espetáculo a ser apresentado naquela noite de 21 de outubro de 1967.
Cerca de 43 anos depois, o documentário retrata de forma fiel o material original sem distorcer os fatos. As imagens capturadas pela TV Record são um baú de jóias preciosas. Os depoimentos dos artistas e dos presentes no festival mostram o antes e o depois daquela noite. Primeiro, a ingenuidade presente na época e depois de todas as mudanças, a maturidade para analisar o ocorrido.  
O “combate de luta livre” como falou Solano Ribeiro e logo em cima eu citei, apresentava os personagens principais. Roberto Carlos, o Rei da Jovem Guarda e o galã do festival, disse que não tinha noção nem do que estava cantando. Sergio Ricardo, o vilão, afirmou que pro contexto social e político vivido naquela época, o ocorrido foi de grande importância e repercussão, mas que hoje, não faria isso. Gilberto Gil, que meses antes participava da passeata contra a guitarra elétrica, incluiu a mesma na sua apresentação junto com Os Mutantes, modificando a estética black tie e “acústica” do festival. Chico Buarque, o mocinho politicamente correto, bonito e menino de família, sorriu anos depois, afirmando que “a vida de mocinho é muito dura” justamente por carregar todas essas classificações. Caetano Veloso e Edu Lobo desabafaram que passaram anos de suas carreiras tendo de interpretar Alegria, Alegria e Ponteio, respectivamente, por conta da repercussão que suas canções ganharam após o festival. Caetano ainda comparou Alegria, Alegria, à Banda, de Chico e reconheceu a evolução musical dos participantes.
De 1967 em diante a música brasileira explodiu. Veio o Tropicalismo, as censuras aumentaram, houve a inclusão do internacional no nacional, a descoberta dos Novos Baianos e a volta do samba, a afirmação das raízes e do rock brasileiro. Novas formas de expressão musical foram inventadas e passadas de geração em geração. O ciclo da produção fonográfica aumentou e a qualidade se tornou cada vez mais inovadora. Tudo isso decorrente do agônico III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record.

Mais uma vez, Uma Noite em 67 seguiu todas as regras de um clássico documentário, não só esteticamente falando - planos, fotografia, roteiro, argumentos, como sendo eternizando a sofisticação e história da MPB. 
Um filme para marcar uma geração que presenciou e outra que nasceu com o movimento organizado. Para aqueles que gostam ou os que não conhecem, vão ao cinema mais próximo e embarquem nessa viagem não só histórica, como musical do Brasil!


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