quarta-feira, 9 de junho de 2010

A poesia cantada de Gero Camilo

Alguns dizem que música não é poesia, outros afirmam que sim, e classificam como “poesia cantada”. Existem sutis diferenças entre música e poesia, embora elas estejam interligadas e até a língua portuguesa ajuda nessa fusão. Mas antes de qualquer coisa eu te pergunto: O que é canção?
Certo tempo eu li uma entrevista de Luiz Tatit, cantor, compositor e professor do Departamento de Lingüística da USP, em que ele definia que canção é diferente de música e de “poesia cantada”.  Para ele, a letra e a melodia têm de passar a mesma mensagem como um encaixe perfeito e além do mais, se não houver entonação entre elas, não há canção. Outro ponto interessante da entrevista foi quando ele definiu que o termo “cancionista” é aplicado naqueles que não são músicos, mas sabem compor canções.
E quando em uma obra existe música, poesia e canção, tudo junto? Classifico como “multi-cancionista”? É, acho que é isso! Esse é o caso de Gero Camilo, ator, dramaturgo e “multi-cancionista”, que faz parte da trilha sonora e visual da minha vida e vou dividir (ou até apresentar) um pouco com vocês.

Canções de Invento

Conheci esse turbilhão sonoro no ano de 2008, assim que o disco foi lançado. O processo de absorção foi imediato e as 13 canções entraram pro meu estado de leveza da alma por completo. Tanto que só após muito tempo que consegui conectar a máquina de escrever da mente e dos sentidos, com a do mundo real.
Canções de Invento é o primeiro registro musical da obra poética de Gero Camilo. Com letras que falam de amor, arte, fé, folclore, modernidade e fenômenos da natureza, essa musicalidade está inserida na tipologia de uma música de informação, de pouco espaço nos meios da comunicação, mas totalmente adequada no meio “cancioneiro contemporâneo”. Brincando com a língua portuguesa e criando neologismos diversos em suas composições, Gero consegue fazer um encontro sonoro artístico e contundente. Anunciação, explica um pouco essa mistura de influências da realidade vivida na década de 60, entre política, crítica social e o movimento musical Tropicalista, colocada na atualidade literária e colorida em que vivemos:

“Esse é o Manifesto Antroprofágio. Em agradecimento ao entretenimento em deprimento, do que era uma pedra no caminho. No verso intransitivo. Esse é o manifesto propicarista! A descendência naturalista das novas desordens há já bem vistas! Nossa gente humilde armada, nosso gatilho em disparada, nosso retiro. Essa é a nossa rua, inunda, o que a marginalidade funda. Nosso pavio curto, nossa pomba de chocolate. Essa é a nossa livraria cheia de crimes do dia-a-dia, cheia de amores e beijos. Essa é a nossa cultura. A paisagem dura, o tapete vermelho onde o povo samba. Uma feira de artes na beira da tarde, essa é a nossa parte. As agrárias que nos cabe nesse latimundio, nesse latimundio, nesse latimundio. Essa é a nossa raça, plura. A nossa raça plura, plura. As novas revoluções sobre a mesma impostura e pra não dizer que não falei: aqui jaz um deserto, aqui perto é jardim!”

Em um tom primaveril, as canções caminham por diversos ritmos como o samba, maracatu e baladas levemente melancólicas, de arranjos bem elaborados. Nada sem muita classificação de gênero até porque existe uma pluralidade de odes nessas canções pós-modernas de invento.  O disco conta com várias participações especiais, desde das composições até as finalizações de gravação. Uma das mais notórias e conhecias é a de Lirinha, em Cabeleira de Capim e Vai Desabarar, que mistura com Gero o universo teatral de ambos em forma de som e sentido.
Aqui a esperança não se cansa de esperar, qualquer gesto de amor é maior que a bomba, a tempestade alaga dentro e fora, a gravidade quebra barreiras, o céu é pintado com todas as cores. Os inventos são reais e transcendem ao entendimento de se música e/ou poesia. O certo é que aqui, além de todos os adjetivos exacerbados nesse texto, é que Gero Camilo é um cancioneiro de invenção multi-artístico.

Não quero citar canção por canção nem colocar mais encanto. Sugiro que você tenha uma oportunidade para escutar esse disco e tirar sua própria conclusão. Mas antes de terminar e já desmentindo o começo desse parágrafo final, deixo o texto declamado por Gero em Jobinamente, pois vale a pena ser lido com atenção!


Download - Canções de Invento (2008)

01 – Cabeleira de capim (part. Lirinha e Otto)
02 – Anunciação
03 – Enigmática máscara
04 – O aprendiz (part. Ceumar)
05 – Gogós dodóis
06 – A modernidade
07 – Gravidade
08 – Tintura (part. Rubi)
09 – Vem amor (part. Marat Descartes)
10 – Carta de Puebla
11 – Gesto delicado
12 – Jobinamente
13 – Vai desabar (part. Lirinha)

Um comentário:

-Gabs- disse...

também gosto muito desse álbum! Pena ele não ter lançado mais nada até agora...